Cercado por talibãs, refugiado tenta resgatar filhos no Afeganistão e trazê-los ao Brasil 6l6ls

Sorab Kohkhan vive com a mulher em São Paulo e voltou à terra natal para resolver questões burocráticas dias antes de o Talibã tomar o poder em Cabul, capital do Afeganistão. Ele tenta reencontrar os filhos e deixar o país com a família. Refugiado afegão que mora no Brasil tenta resgatar os filhos no Afeganistão Em um pequeno restaurante na Liberdade, Centro de São Paulo, a refugiada afegã Raihana Ebrahemi, de 47 anos, se desdobra para cozinhar, encaminhar os pedidos dos aplicativos e atender a clientela presencialmente. Faz tudo com muita dificuldade em compreender e falar português. A rotina de trabalho é de 12 a 15 horas diárias. Ela só deixa o restaurante para descansar em casa, um conjugado de quarto e sala em um cortiço bem ao lado do restaurante. Em circunstâncias normais, uma rotina como essa já seria desgastante para qualquer um, mas Raihana vive uma situação inimaginável: o marido dela, o também afegão Sorab Kohkhan, de 64 anos, está a 13 mil quilômetros de distância, no Afeganistão, escondido dos talibãs, que, segundo ele, estão por toda parte. Sorab mora com Raihana no Brasil e cuida do restaurante junto com ela. Depois de muitos anos sem voltar à terra natal, ele viajou ao Afeganistão em 13 de agosto para resolver questões burocráticas. Na véspera do dia em que entraria no país, pela fronteira com o Paquistão, o Talibã surpreendia o mundo - e Sorab também - e tomava a capital, Cabul, muito tempo antes do esperado. Com a ascensão dos jihadistas, o objetivo da viagem de Sorab ou a ser um só: resgatar os três filhos de lá: Najiba, 24, Abdula, 17 e Niamat, 10. A GloboNews acompanhou a saga de Sorab e a espera angustiante de Raihana nesses últimos dias. “Ele (Sorab) quer que meus filhos venham para o Brasil, mas não conseguimos. Eu também quero meus filhos comigo aqui no Brasil, onde eu moro.” Sorab está escondido há três dias no mesmo local, a alguns quilômetros ao norte do Cabul, esperando o momento mais seguro para seguir viagem em direção aos filhos. Veja outros relatos sobre a ofensiva talibã 'Aulas foram interrompidas, lojas foram fechadas e não temos esperança de futuro' 'Tenho medo de não conseguir voltar' 'Desejo paz, não importa quem fique no governo' Saga A GloboNews manteve conversas diárias por telefone e por aplicativos de mensagens com Sorab no Afeganistão. Também acompanhamos o dia a dia no restaurante de Raihana. Ele decolou na sexta-feira, dia 13, de São Paulo para Islamabad, no Paquistão, com uma escala em Istambul, na Turquia. De Islamabad, pegou um ônibus até a cidade de Peshawar, que fica perto da fronteira com o Afeganistão. Lá, se juntou com um grupo de cerca de 20 refugiados afegãos de vários países que tentam resgatar seus familiares. Quarta, 18 GloboNews: Neste momento, onde o senhor está? Sorab: No Paquistão, mas seguramente esta noite ou amanhã já estarei dentro do Afeganistão. GloboNews: E qual é a ideia do senhor? Chegar, encontrar os filhos e tentar trazê-los ao Brasil, é isso? Sorab: O primeiro o é encontrá-los e levá-los para algum lugar seguro. Porque é uma barbaridade o que o talibã está fazendo. É inimaginável. GloboNews: O senhor está há quase três dias sem falar com seus filhos? Sorab: Sim, porque não pega internet nas montanhas. E não queremos que eles falem nos telefones celulares porque não podem confiar em ninguém. Quinta, 19 Sorab conseguiu atravessar a fronteira do Paquistão com o Afeganistão. Quando conversou por telefone, estava em Pole Charkhi, uma localidade a cerca de 20 km de Cabul, onde há uma prisão cujos detentos foram resgatados pelo Talibã dias antes. Globonews: Como é que estão as coisas por aí? Onde o senhor está neste momento? Sorab: Estou aqui perto de Cabul. As pessoas estão assustadas. Todo mundo. Porque não se sabe o que vai acontecer. É uma coisa incrível, muito crítica, sobretudo para pessoas comuns: mulheres, crianças. Você vê na cara deles que todo mundo está assustado. A dúvida do grupo é qual caminho seguir. O mais curto, pelo sul de Cabul, está mais perigoso. Estamos esperando informações das pessoas para decidir se vamos pelo lado direito ou esquerdo. GloboNews: E você viu muitos talibãs pelo caminho? Sorab: (risos) Para onde você vai, em cada pedra, tem um desses filhos da p... GloboNews: E vocês têm conseguido dormir aí? Sorab: Dormir? Como vai dormir, senhor? É assim: dormimos dez minutos, meia hora, com um olho aberto e um olho fechado. Sexta, 20 Sorab e o grupo chegam a um ponto ao norte de Cabul, esperando o caminho ficar mais seguro para seguir viagem. Eles contam com informantes espalhados por alguns pontos do país relatando a situação dos lugares. Globonews: Como tá a situação aí hoje no Afeganistão e no local onde você está? Sorab: Estou perto de Cabul, a 30/ 40 quilômetros, a meia hora/40 minutos. Dá muito medo, não podemos confiar em ninguém, até nas pessoas que estão ao nosso redor. Sábado, 21 Sorab continua no mesmo ponto. A situação fica mais tensa. Não conseguimos contato por tele ojr

Cercado por talibãs, refugiado tenta resgatar filhos no Afeganistão e trazê-los ao Brasil
Sorab Kohkhan vive com a mulher em São Paulo e voltou à terra natal para resolver questões burocráticas dias antes de o Talibã tomar o poder em Cabul, capital do Afeganistão. Ele tenta reencontrar os filhos e deixar o país com a família. Refugiado afegão que mora no Brasil tenta resgatar os filhos no Afeganistão Em um pequeno restaurante na Liberdade, Centro de São Paulo, a refugiada afegã Raihana Ebrahemi, de 47 anos, se desdobra para cozinhar, encaminhar os pedidos dos aplicativos e atender a clientela presencialmente. Faz tudo com muita dificuldade em compreender e falar português. A rotina de trabalho é de 12 a 15 horas diárias. Ela só deixa o restaurante para descansar em casa, um conjugado de quarto e sala em um cortiço bem ao lado do restaurante. Em circunstâncias normais, uma rotina como essa já seria desgastante para qualquer um, mas Raihana vive uma situação inimaginável: o marido dela, o também afegão Sorab Kohkhan, de 64 anos, está a 13 mil quilômetros de distância, no Afeganistão, escondido dos talibãs, que, segundo ele, estão por toda parte. Sorab mora com Raihana no Brasil e cuida do restaurante junto com ela. Depois de muitos anos sem voltar à terra natal, ele viajou ao Afeganistão em 13 de agosto para resolver questões burocráticas. Na véspera do dia em que entraria no país, pela fronteira com o Paquistão, o Talibã surpreendia o mundo - e Sorab também - e tomava a capital, Cabul, muito tempo antes do esperado. Com a ascensão dos jihadistas, o objetivo da viagem de Sorab ou a ser um só: resgatar os três filhos de lá: Najiba, 24, Abdula, 17 e Niamat, 10. A GloboNews acompanhou a saga de Sorab e a espera angustiante de Raihana nesses últimos dias. “Ele (Sorab) quer que meus filhos venham para o Brasil, mas não conseguimos. Eu também quero meus filhos comigo aqui no Brasil, onde eu moro.” Sorab está escondido há três dias no mesmo local, a alguns quilômetros ao norte do Cabul, esperando o momento mais seguro para seguir viagem em direção aos filhos. Veja outros relatos sobre a ofensiva talibã 'Aulas foram interrompidas, lojas foram fechadas e não temos esperança de futuro' 'Tenho medo de não conseguir voltar' 'Desejo paz, não importa quem fique no governo' Saga A GloboNews manteve conversas diárias por telefone e por aplicativos de mensagens com Sorab no Afeganistão. Também acompanhamos o dia a dia no restaurante de Raihana. Ele decolou na sexta-feira, dia 13, de São Paulo para Islamabad, no Paquistão, com uma escala em Istambul, na Turquia. De Islamabad, pegou um ônibus até a cidade de Peshawar, que fica perto da fronteira com o Afeganistão. Lá, se juntou com um grupo de cerca de 20 refugiados afegãos de vários países que tentam resgatar seus familiares. Quarta, 18 GloboNews: Neste momento, onde o senhor está? Sorab: No Paquistão, mas seguramente esta noite ou amanhã já estarei dentro do Afeganistão. GloboNews: E qual é a ideia do senhor? Chegar, encontrar os filhos e tentar trazê-los ao Brasil, é isso? Sorab: O primeiro o é encontrá-los e levá-los para algum lugar seguro. Porque é uma barbaridade o que o talibã está fazendo. É inimaginável. GloboNews: O senhor está há quase três dias sem falar com seus filhos? Sorab: Sim, porque não pega internet nas montanhas. E não queremos que eles falem nos telefones celulares porque não podem confiar em ninguém. Quinta, 19 Sorab conseguiu atravessar a fronteira do Paquistão com o Afeganistão. Quando conversou por telefone, estava em Pole Charkhi, uma localidade a cerca de 20 km de Cabul, onde há uma prisão cujos detentos foram resgatados pelo Talibã dias antes. Globonews: Como é que estão as coisas por aí? Onde o senhor está neste momento? Sorab: Estou aqui perto de Cabul. As pessoas estão assustadas. Todo mundo. Porque não se sabe o que vai acontecer. É uma coisa incrível, muito crítica, sobretudo para pessoas comuns: mulheres, crianças. Você vê na cara deles que todo mundo está assustado. A dúvida do grupo é qual caminho seguir. O mais curto, pelo sul de Cabul, está mais perigoso. Estamos esperando informações das pessoas para decidir se vamos pelo lado direito ou esquerdo. GloboNews: E você viu muitos talibãs pelo caminho? Sorab: (risos) Para onde você vai, em cada pedra, tem um desses filhos da p... GloboNews: E vocês têm conseguido dormir aí? Sorab: Dormir? Como vai dormir, senhor? É assim: dormimos dez minutos, meia hora, com um olho aberto e um olho fechado. Sexta, 20 Sorab e o grupo chegam a um ponto ao norte de Cabul, esperando o caminho ficar mais seguro para seguir viagem. Eles contam com informantes espalhados por alguns pontos do país relatando a situação dos lugares. Globonews: Como tá a situação aí hoje no Afeganistão e no local onde você está? Sorab: Estou perto de Cabul, a 30/ 40 quilômetros, a meia hora/40 minutos. Dá muito medo, não podemos confiar em ninguém, até nas pessoas que estão ao nosso redor. Sábado, 21 Sorab continua no mesmo ponto. A situação fica mais tensa. Não conseguimos contato por telefone, mas ele enviou uma mensagem de voz por um aplicativo. Sorab: Estou trancado por dois dias. Algumas pessoas tiveram problemas. Não sei o que vou fazer. Tem que aguardar. Não podemos cometer falhas, senão me custará muito caro. Domingo, 22 Sorab não atende as ligações, mas responde a mensagens pelo aplicativo. Ele continua pelo terceiro dia seguido no mesmo local, ainda esperando o caminho ficar livre dos talibãs. Enquanto isso, Raihana manda um recado à família no Afeganistão: “Oi, filhos, vocês estão bem? Fiquem tranquilos, filhos. Vocês estão seguros em casa. Fiquem com Deus. Eu quero que vocês não sintam muito medo. Até logo, tchau”. Visto Se conseguir chegar até os filhos, o desafio de Sorab será, então, arrumar alguma forma para sair do Afeganistão e entrar no Paquistão. Em seu país, não há representação do governo brasileiro. Mesmo afegãos que colaboraram para os americanos estão tendo dificuldade para sair do país. No Paquistão, a Embaixada do Brasil fica na capital, Islamabad. O pedido de refúgio só pode ser solicitado às autoridades brasileiras no momento do desembarque no Brasil. Para viajar até aqui, os afegãos precisam de um visto da Embaixada no Paquistão. Eles relatam que é muito difícil obter o documento. O processo, segundo os afegãos, é demorado e quase sempre termina com a resposta negativa. O que facilitaria o ingresso desses afegãos seria a concessão, por parte da Embaixada brasileira no Paquistão, de um visto humanitário. Esse tipo de visto, nos moldes dos oferecidos atualmente a haitianos e sírios, está sendo estudado pelo governo brasileiro, segundo o Itamaraty (leia mais abaixo). Minoria Hazara Para qualquer opositor do Talibã, a ascensão do grupo já é motivo de desespero. Para a família de Sorab e Raihana, há um agravante: a família pertence à minoria étnica hazara, de origem mongol e turca, cuja aparência difere muito da dos outros afegãos. É o terceiro grupo étnico mais populoso do país - de 10% a 20% da população -, atrás dos tadjiques e dos pashtuns - estes últimos, a etnia majoritária, à qual pertencem a grande maioria dos talibãs. Os hazaras são predominantemente xiitas, num país em que a maioria é sunita. Há regiões do mundo islâmico em que sunitas e xiitas convivem pacificamente, mas no Afeganistão o xiismo nunca foi tolerado pelos fundamentalistas do Talibã. Por tudo isso, o povo hazara sofre uma opressão histórica e uma discriminação diária por uma parcela dos afegãos. E uma perseguição constante do regime talibã. Os hazaras chegaram ao Afeganistão no século 8 e se estabeleceram principalmente nas terras altas e áridas da região central do país, batizadas de Hazaristão. É num distrito dessa região, chamado Jaghori, onde estão os filhos de Sorab e Raihana. O restaurante da Liberdade leva o nome de um cartão-postal na região dos hazara: as montanhas Koh-i-Baba. Quando viveu no Afeganistão, Sorab trabalhou como professor universitário. Chegou a ser sequestrado e torturado pelos talibãs. Um primo dele foi morto pelo grupo enquanto esperava a análise do pedido de refúgio ao governo brasileiro. Sorab já morou na Alemanha e na Espanha antes de se mudar para o Brasil, em 2013. Ele trabalhou em uma pizzaria e depois abriu o restaurante na Liberdade. Raihana veio quatro anos depois, após o governo brasileiro lhe conceder refúgio. Neste momento, a preocupação maior é com a filha mais velha, que é professora da educação básica e ostenta com orgulho as fotos de suas alunas nas redes sociais. A família diz que ela espera há dois anos a análise de um pedido de refúgio ao Brasil. Najiba está escondida junto com outras mulheres da família. Ela gravou um vídeo à GloboNews fazendo um apelo às autoridades brasileiras. “Eu sou Najiba, filha de Raihana. Minha mãe está no Brasil e eu, no Afeganistão. E o Afeganistão está com o Talibã. Eu tenho medo do Talibã. Meu Deus, eu quero a minha mãe. No Afeganistão, a gente não tem segurança agora. O Talibã está muito perto. Hoje eu vivo no Afeganistão com minha avó, mas agora eu quero ir ao Brasil.” Quando governou o Afeganistão, entre 1996 e 2001, o grupo extremista proibia as mulheres de trabalhar e estudar, além de exigir o uso da burca. Publicamente, as lideranças agora têm prometido moderação, mas os opositores acreditam que essa promessa vai durar pouco tempo e serve apenas para despistar a comunidade internacional. Medo generalizado O medo dos talibãs não se restringe às minorias étnicas e religiosas. Jabir Khan Moslemyar, de 38 anos, é muçulmano sunita e da etnia pashtun, a mesma dos extremistas. Ele chegou a São Paulo em 2014 e, desde então, trabalha como ambulante na Feira da Madrugada. Jabir conta que tem 22 familiares diretos no Afeganistão, incluindo a mulher e quatro filhos. “A gente mora numa casa só, mas agora, com medo, a gente se dividiu. Um na casa do tio, outro na casa da avó.” Todos estão presos dentro de casa, com medo até de ir até o mercado para comprar comida. “Como você vai sair num lugar em que por todo canto tem gente que você não conhece, nunca viu, como você vai ficar em paz para fazer as suas coisas?” A filha mais velha, de 13 anos, quer ser médica, mas ele acha que os talibãs não vão permitir que ela estude. “Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. Da outra vez que governaram o Afeganistão, não deixavam nem as pessoas sair de casa. Eles dizem que vão mudar agora, mas ninguém acredita. Essa mudança vai durar alguns dias, para eles arrumarem o governo e só. O povo de lá não acredita que eles vão mudar. ” O sonho de Jabir é que ele consiga viver com os filhos aqui no Brasil. “Precisamos de ajuda para trazer nossos familiares. Precisamos do visto na Embaixada no Paquistão. Tem muita gente que quer trazer suas famílias.” O que diz o governo brasileiro O governo federal afirma que, após a ascensão do Talibã, está estudando facilitar a concessão de vistos humanitários para afegãos viajarem ao Brasil, mas ainda não houve mudanças concretas. Em dezembro ado, o Conare (Comitê Nacional para Refugiados), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, facilitou o pedido de refúgio para afegãos que desembarcam no Brasil por considerar que o Afeganistão vive grave e prolongada crise humanitária. Segundo dados da Polícia Federal, 112 cidadãos afegãos vivem atualmente no Brasil, sendo 62 deles em São Paulo. VÍDEOS: Histórias e relatos sobre o caos no Afeganistão